Quando Mariana aceitou aquele emprego, tudo o que ela queria era uma chance. Uma renda. Um lugar para começar de novo. Mas o que encontrou foi muito mais do que isso. O que era para ser um trabalho comum virou um capítulo marcante de sua vida — um capítulo onde a dor, o amor e a esperança se entrelaçaram de uma forma que ela jamais imaginou.

Ela chegou ao vilarejo com uma maleta antiga na mão e o coração apertado. O sol escaldante castigava sua pele enquanto caminhava por estradas de terra. Vestia seu único vestido bom, passado com uma velha chapa de ferro aquecida em brasas, já que em casa não havia eletricidade fazia meses. Na outra mão, levava um papel com a direção do local onde começaria a trabalhar — um contrato dobrado como se fosse um passaporte para a sobrevivência.

Ao alcançar o povoado, se deparou com casas simples, algumas feitas de madeira e zinco, outras inacabadas, de tijolos nus. Crianças brincavam descalças na rua de terra. Mariana não esperava o que veio a seguir.

“Vocês moram aqui?”, ela perguntou, receosa.

O silêncio respondeu primeiro, depois um aceno tímido. O mais velho entre eles, um menino de nome Cofi, não escondia a desconfiança. Ele não parecia ter mais de 10 anos, mas falava e se comportava como um adulto. Era ele quem liderava. Quem cuidava. Quem protegia.

Mariana logo entendeu: aquelas crianças estavam sozinhas. Oito delas. Oito histórias interrompidas por tragédias diferentes, reunidas ali por uma mulher que elas chamavam de “Senhora Avena” — alguém que aparecia poucas vezes por semana para levar comida e garantir que estavam vivos, mas que não podia estar presente o tempo todo.

E é por isso que Mariana havia sido contratada. Para cuidar. Para ser presença. Mas ela sabia, desde o início, que não seria fácil conquistar a confiança daqueles pequenos tão marcados pela perda.

Na primeira noite, quando os soluços abafados começaram a surgir da escuridão, Mariana entendeu a profundidade daquela dor. “Sinto falta da minha mãe”, sussurrou Amara, uma das meninas, agarrada ao seu braço. Mariana não soube o que responder. Apenas abriu os braços. E um a um, os pequenos foram se aproximando, buscando aquele calor humano que tanto lhes faltava.

Cofi foi o último. Orgulhoso, resistente. Mas até ele, mesmo sem encostar, se aproximou o suficiente para que Mariana pudesse segurar sua mão. E ele não afastou.

Na manhã seguinte, ela caminhou com Cofi até uma fonte distante para buscar água — um trajeto que ele fazia todos os dias, sozinho, durante duas horas. Mariana insistiu em ir junto, apesar do cansaço. No caminho, ele perguntou: “Você se arrepende de ter vindo?”. Ela respondeu com sinceridade: “Não. É mais difícil do que imaginei, mas não me arrependo. Vocês merecem que alguém fique. E eu vou ficar.”

A partir daquele momento, algo mudou. Pouco a pouco, Mariana foi conquistando cada um deles. Com comida simples, com cuidado, com palavras calmas e braços abertos nas noites difíceis.

Descobriu que nenhum deles tinha os pais por perto. Alguns morreram. Outros os abandonaram. Os gêmeos eram irmãos de sangue; os outros, irmãos na dor. E mesmo com tão pouca idade, já tinham aprendido a sobreviver — cozinhando, limpando, cuidando uns dos outros.

Mas não era isso que mais comovia Mariana. O que mais a tocava era a forma como, mesmo depois de tudo, ainda sabiam amar. Ainda queriam ser amados.

Cofi continuava desconfiado, vigilante. Mas até ele começou a ceder aos poucos. Convidou Mariana a dormir com eles na sala comum. E quando ela cantou uma cantiga de ninar, algo mudou nos olhos dele — uma esperança tímida, mas real, como quem começava a acreditar que talvez, dessa vez, fosse diferente. Que talvez alguém realmente fosse ficar.

Nos dias que seguiram, Mariana não só limpou, cozinhou ou lavou. Ela passou a ser a referência que todos ali precisavam. Um abraço constante. Um olhar que não julgava. Uma palavra que acalmava.

Não havia conforto. A casa era improvisada, os alimentos escassos, a água difícil de buscar. Mas havia algo que, aos poucos, começou a florescer: confiança. Laço. Família.

E Mariana compreendeu uma verdade difícil: aquelas crianças não precisavam apenas de abrigo ou comida. Precisavam de alguém que as escolhesse. Que dissesse: “Eu fico. Mesmo que seja difícil. Mesmo que você chore à noite. Mesmo que tenha medo de confiar.”

E ela escolheu ficar.

Ela não sabia quanto tempo poderia manter aquela promessa. Não sabia o que viria no futuro. Mas sabia o suficiente para entender que, naquele momento, ela era tudo o que aquelas crianças tinham. E elas, de alguma forma que ainda não compreendia, também estavam se tornando tudo para ela.

Às vezes, a vida nos coloca diante de situações que não pedimos. Mas é ali, na dor compartilhada, que também se encontram as mais puras formas de amor.