Nas vielas escondidas de Astraval, onde o som das badaladas do mercado ecoa entre barracas de frutas e tecidos coloridos, havia uma loja tão discreta que passava despercebida pelos nobres. Era ali que Elra, filha de um simples tor, passava seus dias costurando vestidos que não podia vestir e criando beleza com as mãos calejadas por anos de agulhas e linhas.

Para a maioria, Elra era só isso: uma menina de roupas gastas, sapatos velhos e dedos manchados de tinta. Os ricos não sabiam seu nome. Os comerciantes exploravam seu pai. As crianças riam de seus remendos. Mas havia algo que ninguém via. Cada ponto costurado por Elra carregava uma magia sutil, ensinada por sua avó. “O tecido guarda mais do que cor. Ele guarda o coração de quem o faz”, dizia. Suas costuras curavam, protegiam e até acalmavam — mas Elra escondia isso do mundo. Tinha medo de atrair os olhos errados.

Até que um dia, eles a encontraram.

A cidade se preparava para o grande baile de coroação do príncipe Aric. Nobres chegavam de todos os cantos, suas roupas deslumbrantes refletindo a luz dos salões como rios de seda. Entre eles, a deslumbrante Princesa Seline de Eisendor, dona de uma beleza cortante e de um orgulho ainda maior.

Durante a dança, o vestido de Seline rasgou. Em vez de manter a compostura, ela gritou, furiosa, diante de todos. Foi então que notou Elra, ali apenas para entregar um uniforme reparado ao mordomo. “Você aí, menina da agulha! Arrume isso antes que eu vire piada!” — gritou, apontando como se falasse com um móvel.

Risos encheram o salão. Elra ficou vermelha, mas não hesitou. Ajoelhou-se em silêncio e costurou o vestido com mãos firmes. Seline, cruel, zombou: “Alguns dizem que o príncipe deveria olhar além da coroa… mas quem escolheria isso?” As gargalhadas voltaram. Elra não reagiu. Apenas terminou o trabalho, em silêncio.

Mas alguém viu.

O príncipe Aric, observando de perto, não esqueceu a imagem daquela jovem sendo humilhada e, ainda assim, mantendo a dignidade. Ele era pressionado a escolher uma esposa até o pôr do sol da coroação. Seline se achava a escolha óbvia. Mas no coração de Aric, uma dúvida começava a florescer.

No grande salão, sob tochas douradas e mil joias cintilantes, Seline apareceu envolta em um vestido de diamantes. Elra entrou quase invisível, vestindo um traje cinza feito por ela mesma. Simples, elegante, com um fio dourado na barra que brilhava discretamente. Foi quando o impossível aconteceu.

O colar de diamantes de Seline começou a se transformar. As pedras escureceram, retorcendo-se até virarem cristais negros. Um feitiço antigo, preso à vaidade da princesa, se libertou. Uma tempestade sombria tomou o salão. Guardas foram engolidos pela escuridão. Seline gritava por socorro.

E foi Elra quem agiu.

Ela enfrentou a sombra. Suas mãos moveram-se com precisão. Costurou no ar, como se tecesse luz. Criou um manto encantado e o jogou sobre o príncipe. A escuridão recuou. O feitiço quebrou. O colar se despedaçou aos pés de Seline. Todos ficaram em choque. Um nobre sussurrou: “Quem é ela?”

O príncipe respondeu com firmeza:
“Ela é Elra, filha de um tor e a alma mais corajosa deste reino.”

A vergonha de Seline foi pública. Sua arrogância a havia condenado. Foi retirada do salão sem honra. E então, diante do conselho e de todos os presentes, Aric anunciou:
“Não escolho coroa de outro reino, nem joias. Escolho as mãos que costuraram luz, o coração que permaneceu firme quando todos fugiram.”

O salão se encheu de aplausos. Elra, envergonhada, disse: “Senhor, eu não sou princesa.”
Aric sorriu: “Não. Você é mais. Criadora. Protetora. E ninguém mais merece estar ao meu lado.”

Elra foi nomeada Tor Real de Astraval. Criava roupas que protegiam guerreiros, curavam feridos e abençoavam recém-nascidos. Mas mais do que isso, sua história transformou o reino. Artesãos passaram a ser valorizados. Filhos de plebeus foram aceitos em guildas antes fechadas aos nobres. E no jardim do palácio, entre rosas e mármores brancos, Elra e Aric caminhavam lado a lado. Não como príncipe e costureira, mas como iguais.

Porque a verdadeira grandeza não brilha nas coroas. Ela se costura, em silêncio, nas mãos daqueles que amam, criam e protegem.