A chuva caía forte naquela noite, como se o céu chorasse por uma dor esquecida. Santiago Ledesma, milionário feito por si mesmo, chegou em seu Maserati com a frieza de quem tem tudo — menos paz. Mais uma gala beneficente, mais uma noite de aparências, flashes e taças de vinho que custavam mais do que um salário mínimo.

Por fora, Santiago parecia ter vencido na vida. Mas por dentro, escondia uma solidão tão bem disfarçada que nem ele ousava encará-la.

Enquanto cruzava o salão, sendo bajulado e invejado, ele nem percebeu que entre as organizadoras discretas do evento estava Alma Ribas — a mulher que um dia ele amou e abandonou. Ela o viu primeiro. Seu coração parou por um instante, não por amor, mas pela lembrança do abandono. Fazia quase dez anos desde a última vez que se viram. Ela, na época, era uma garota de bairro, sonhadora. Ele, um jovem ambicioso disposto a tudo por sucesso. E quando a oportunidade chegou, ele a trocou por cifrões e status, deixando para trás uma carta fria e um coração partido.

Alma reconstruiu-se com esforço. Foi garçonete, depois coordenadora, até abrir sua própria empresa de eventos. Levou tempo, dor e muita força. E agora, ali estava ele. A metros de distância. Mais velho, mais rígido, mais vazio.

Santiago, envolto em seu próprio ego, não a reconheceu de imediato. Só notou sua presença horas depois, quando seus olhares se cruzaram. Ela o fitava com uma serenidade desarmante, sem medo, sem saudade. Aquilo o desconcertou. Aproximou-se, movido não por interesse, mas por vaidade. Queria saber quem era aquela mulher que não se curvava ao seu nome.
— “Nos conhecemos?” — perguntou, com um sorriso ensaiado.
— “Não… pelo menos, não como sou agora.” — respondeu ela, e seguiu andando.

Essa resposta ficou ecoando na cabeça dele como um soco elegante. Foi embora daquela noite incapaz de esquecê-la. Revirou arquivos, listas, fotos. Até que encontrou o nome: Alma Ribas. E então, a ficha caiu.

Ela era “a” Alma. A mulher que esteve ao seu lado nos piores momentos. A que vendeu um anel de família para comprar seu primeiro terno de entrevistas. A que o amou quando ele não tinha nada. E que ele descartou quando teve tudo.

Nos dias seguintes, Santiago tentou se reaproximar. Apareceu em eventos onde ela trabalhava. Tentou convidá-la para um café.
— “Não tomo café com fantasmas.” — disse ela, sem pestanejar.

Cada resposta dela era um lembrete cruel: ela o superou. Ele, porém, não. Sentia-se vivo ao vê-la, como não se sentia há anos. Mandou flores, cartas, até uma escrita à mão — coisa que não fazia desde que era pobre.

Na carta, admitia seu erro:
“Ganhei o mundo e perdi quem realmente me conhecia. Não peço que volte, só que me olhe sem esse silêncio que dói mais que o desprezo.”

Ela não respondeu.

Meses depois, durante outro evento, uma menina se perdeu no salão. Foi Alma quem a encontrou. Cantou para ela, acalmou o choro. Santiago assistiu tudo de longe. E naquele instante, viu Alma de verdade. Não como ex, mas como uma mulher inteira — e inacessível.

Após o evento, ele a esperou na chuva. Tentou mais uma vez.
— “Você ainda me ama?” — implorou, ensopado.
— “Você não me ama. Te dói não me ter. E isso não é amor.”
Ela o perdoou, mas não voltou.

E ele enfim entendeu que às vezes o arrependimento chega tarde demais.

A vida seguiu. Santiago voltou à sua rotina de luxo, sem alma. Tentou substituir o vazio com compras, investimentos, festas. Nada funcionava. Enquanto isso, Alma crescia. Fechava contratos, sorria mais, confiava mais em si mesma.

Até que, um dia, recebeu uma ligação inesperada da mãe de Santiago. Ele estava internado. Não era grave, mas estava só. E perguntou por ela.

Alma hesitou. Mas foi. Não por ele — por si mesma. Precisava encerrar aquele ciclo, ver com os próprios olhos que já não precisava mais dele nem para um adeus.

Encontrou um homem vazio numa cama de hospital.
— “Não vim por você. Vim por mim.” — disse.

Ele chorou. Tentou entender se, em outra vida, poderiam ter sido diferentes.
— “Talvez.” — respondeu ela.
— “Mas nesta, você matou nossa história.”

Ele quis saber se ela amava outro. Ela confirmou. Mas não importava. Estava ali para deixar o passado em paz. Beijou sua testa e foi embora. E ele não pediu que ela ficasse. Sabia que o que sentia agora não era amor. Era o peso de ter destruído algo que jamais voltaria.

Santiago saiu do hospital, mas nunca mais voltou a procurá-la.

Um ano depois, viu sua foto em uma revista: Alma havia se casado. Com outro. Em uma cerimônia íntima, rodeada por afeto verdadeiro — e sem lugar para ele.

Ele não sentiu ciúmes. Sentiu vazio.

De vez em quando, ainda caminha por parques onde costumava andar com ela. Mas agora, ninguém o reconhece. Não é o milionário. É só um homem sozinho, cercado por lembranças e oportunidades perdidas.

E um dia, olhando um casal abraçado, sussurrou para si:
— “O amor de verdade não se recupera. Se cuida. E eu o perdi.”

E continuou andando.
Sozinho.
Rico.
Arrependido.
E tarde demais para tudo.