A casa estava em silêncio, como sempre. Quase meia-noite, e Jad permanecia acordada, sozinha no sofá, encarando a tela do celular. Esperava uma mensagem que não chegava. Rafael, seu marido, estava trancado no escritório, como nos últimos meses. O casamento dos dois já não tinha cor, nem som, nem toque. A rotina tinha se tornado um ritual mecânico, onde apenas a convivência sobrevivia.

Jad lembrava de quando Rafael era outro homem. Dedicado, presente, carinhoso. O tempo e a pressão do cargo de diretor na empresa o transformaram em sombra — e ela, em ausente, mesmo estando ali todos os dias. Tentava reacender a conexão com jantares, conversas, lingeries novas. Mas o que recebia era o mesmo silêncio, dia após dia.

Foi então que uma mensagem inesperada quebrou aquela noite fria: “Oi, Jad. Vi seu nome numa publicação antiga. Quis saber como você está.” Era Miguel. Um nome que carregava lembranças da juventude.

Miguel, um amigo de outro tempo. O tipo de pessoa que ouve mais do que fala, que tem um olhar que acolhe. Na juventude, quase viveram algo além da amizade, mas a vida os levou para lados opostos. E agora, ele ressurgia justo quando ela mais se sentia perdida.

As conversas começaram tímidas. Recordações de festas antigas, colegas do colégio, músicas que marcaram época. Aos poucos, Miguel foi se tornando presença, mesmo à distância. E Jad, quase sem perceber, reencontrava algo que acreditava ter perdido: sua própria essência.

Enquanto isso, Rafael permanecia indiferente, ausente. Até que, certo dia, a amiga Manuela percebeu algo diferente em Jad. Um brilho, uma leveza. Curiosa, perguntou. Jad hesitou, mas acabou soltando: “Miguel me mandou mensagem outro dia.” Manuela sorriu, mas por dentro, acendeu-se um alerta.

Amizade pode incomodar mais do que paixão quando há segundas intenções. E Manuela, apesar de sempre estar presente, começou a revelar um lado controlador, disfarçado de preocupação.

Jad seguiu conversando com Miguel. Ele lembrava de detalhes que Rafael havia esquecido há muito tempo. Sua cor preferida, seu perfume, sua forma de rir. Um dia, ele propôs: “Vamos tomar um café?”

Era só um café, mas Jad sabia que aquele gesto carregava algo muito maior. Foi buscar apoio em Manuela, mas ouviu um alerta frio: “Você está vulnerável, cuidado. Esse tipo de homem só vem para bagunçar sua cabeça.”

Jad não respondeu. Sabia que Miguel era diferente. Que ele não havia voltado para confundi-la, mas para lembrá-la de quem ela era.

E então, ela foi ao encontro. Um café simples, uma conversa honesta. Ele segurou sua mão com a delicadeza de quem sabe o peso de um toque verdadeiro. Enquanto isso, do outro lado da cidade, Manuela agia nas sombras. Enviou uma mensagem para Rafael: “Abre o olho. Jad está se aproximando daquele tal de Miguel.”

A bomba estourou no dia seguinte. Rafael, com o celular em mãos, jogou a verdade na mesa. “Você me enganou.” Ela, pela primeira vez, não recuou. “Relacionamento exige presença. A sua já se foi faz tempo.”

Jad entendeu, naquele momento, que o silêncio dela havia acabado.

Decidida, arrumou uma pequena mala e mandou uma mensagem para Miguel: “Preciso de um lugar para pensar. Posso contar com você?” A resposta veio como abrigo: “Você nunca deixou de poder.”

Chegou ao apartamento dele com passos firmes. Não era fuga, era reencontro. Com ela mesma. Com sua verdade.

Nos dias que seguiram, Jad não correu para um novo romance. Não publicou frases de efeito. Apenas viveu. Respeitou seus tempos. Curou feridas que estavam abertas há anos. Miguel não cobrou, apenas esteve.

Rafael tentou voltar, claro. Promessas, flores, jantares. Mas era tarde demais. O amor que ela sentia já havia se transformado em lembrança distante. O que restava entre eles era só o hábito — e ela não queria mais viver por obrigação.

Manuela sumiu da sua vida como poeira levada pelo vento. E pela primeira vez, Jad não sentiu falta.

Meses depois, andando de mãos dadas com Miguel numa manhã de domingo, Jad sorriu sem motivo. Ou talvez com todos os motivos do mundo.

Porque, no fim das contas, ela não escolheu entre dois homens. Ela escolheu a si mesma.